terça-feira, 20 de outubro de 2015

Luz dentro de casa e o sono que atrasa - #SNCT2015

Esse texto faz parte de uma blogagem coletiva em colaboração com a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia - MCTI.

Na minha adolescência eu adorava as noites de sexta e sábado. Mesmo quando bastante jovem e impedido de desfrutar os "embalos de sábado a noite", eram nesses dias eu que podia ficar acordado até tarde assistindo televisão, ou jogando no computador. As noites de sábado eram ainda mais empolgantes, era quando eu baixava o volume da televisão ao mínimo e ficava assistindo a musa de todo adolescente da minha geração, Ah Emanuelle! Era também nessa época que minha mãe, incomodada com o horário que eu ia dormir exclamava: "Filho, a noite é feita para dormir!"

Depois de muitos anos me tornei neurocientista e minha especialidade é sono. Hoje dou razão para minha mãe (mais uma vez), mas mudo um pouquinho sua frase, não é a noite que é feita para dormir, mãe, nós é que somos animais que dormem a noite.

E o que isso tudo tem a ver com o tema da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2015? O A tema esse ano é Luz, Ciência e Vida!

A luz é o principal sincronizador do sistema circadiano. Esse sistema com nome bonito (propus a minha noiva chamarmos nosso filho de circadiano, ela detestou) tem como função organizar os ritmos do nosso corpo. Ou seja, ele ajusta o horário do nosso corpo. Por exemplo, o horário de dormir e acordar, o horário da secreção de hormônios (melatonina, cortisol, entre outros). Esse sistema é composto por múltiplos osciladores (tem gente que chama de relógio) e eles são sincronizados (ou seja, ajustados) por um oscilador que fica no cérebro. Esse oscilador principal é capaz de gerar um ritmo de aproximadamente 24h, mas ele não se trata de um "relógio suíço" absolutamente preciso, ele apresenta um ritmo endógeno que pode ser maior ou menor que 24 horas. Dessa forma, se esse relógio não recebe nenhum ajuste do ambiente pode acontecer um descompasso entre o ritmo claro/escuro e os ritmos do corpo. Algo como dormir durante o dia e ficar acordado a noite. Assim, esse oscilador principal usa a luz como principal sincronizador. Quando recebe informação luminosa o oscilador principal consegue se ajustar ao ciclo claro/escuro. Ajustado ao ciclo claro/escuro os ritmos como sono/vigília também são expressos de acordo com esse ciclo, ou seja, o sono durante o escuro e a vigília durante o claro.

Esse foi um apenas um resumo de como o sistema funciona, se você quiser saber mais eu já escrevi sobre isso em outros textos (aqui, aqui e aqui)

O surgimento da luz artificial e principalmente da luz elétrica que permitiu iluminarmos cidades inteiras também teve seus efeitos na saúde, e principalmente nos padrões de sincronização do oscilador e, por sua vez, nos padrões de sono.

Vivemos em uma sociedade onde a luz artificial é quase indispensável. Seja a lâmpada incandescente e sua luz amarela, seja pela exposição aos eletrônicos. A consequência disso é que em ambientes com luz acesso a luz elétrica as pessoas tendem a dormir mais tarde, por menos horas e ficar menos expostas a luz solar. O sono está diretamente associado com diversas funções biológicas, e diversos estudos demonstram uma relação entre dormir pouco e maior chance de desenvolver distúrbios, como os cardiovasculares e metabólicos* , por exemplo.

No Brasil, um estudo que comparou adolescentes que vivem em casas sem luz elétrica com outros que possuem eletricidade em casa demonstrou que os primeiros vão dormir mais cedo e por mais horas**. Outro estudo brasileiro comparou os padrões de sono de seringueiros da Amazônia em condições com e sem luz elétrica. Mais uma vez, aqueles com luz elétrica em casa dormem mais tarde e por menos horas , veja a figura a seguir ***.






As implicações para a saúde humana ainda são bastante debatidas. Não é uma simples questão de dizer que o advento da luz elétrica foi prejudicial à saúde. No entanto, estamos começando a entender como é que a luz artificial influencia o padrão de sono, e consequentemente os ritmos biológicos. Já sabemos que padrões de sono irregulares, e baixa assim como excessiva duração de sono podem desencadear sérios problemas.

O que podemos fazer? De maneira alguma advogo pelo retorno ao mundo pré-eletricidade, longe disso. A minha dica é simples, prestar a atenção nos seus padrões de sono. Tentar ao máximo manter uma rotina de horários de dormir e acordar, descobrir qual o número ideal de horas que você precisa dormir. Além disso, evitar a exposição à luz quando estiver chegando o horário de dormir, ou seja, nada de levar os eletrônicos para dormir contigo.

*Rangaraj, V., & Knutson, K. (2015). Association between sleep deficiency and cardiometabolic disease: implications for health disparities Sleep Medicine DOI: 10.1016/j.sleep.2015.02.535

** PEREIRA, E., LOUZADA, F., & MORENO, C. (2010). Not all adolescents are sleep deprived: A study of rural populations Sleep and Biological Rhythms, 8 (4), 267-273 DOI: 10.1111/j.1479-8425.2010.00458.x

*** Moreno, C., Vasconcelos, S., Marqueze, E., Lowden, A., Middleton, B., Fischer, F., Louzada, F., & Skene, D. (2015). Sleep patterns in Amazon rubber tappers with and without electric light at home Scientific Reports, 5 DOI: 10.1038/srep14074









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