segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Sono da beleza: O segredo da bela adormecida?

É exatamente o que parece. Uma das diversas funções do sono é o efeito de beleza. Novidade? Nem tanto assim, afinal quem conhece a história da "Bela Adormecida" já deve ter pensado nisso. O que vou contar nesse post é que apenas em 2010 surgiu o relato científico válido que demonstra os efeitos positivos do sono na percepção de saúde e beleza em pessoas privadas de sono (clique na imagem para os créditos e mais informações). Em outras palavras, ficar sem dormir faz com que você pareça feio, cansado e parecendo doente.


Pois bem, o estudo intitulado Beauty sleep: experimental study on the perceived health and attractiveness of sleep deprived people (Sono da beleza: estudo experimental sobre a percepção de saúde e atratividade em pessoas privadas de sono), foi publicado numa revista científica britânica, BMJ, cujo fator de impacto de 2009 foi de 13,66!
Os autores, liderados por John Axelsson,  fotografaram 23 sujeitos em situações de privação de sono (31 horas de privação de sono!) e em situações de sono normal. Em seguida eles mostraram essas figuras para 65 observadores, com idades entre 18-63 anos. O que os observadores tinham que fazer era dar nota, em uma escala analógica visual (VAS) como essas comumente utilizadas em estudos sobre dor. Nessas escalas os sujeitos classificavam as pessoas das fotos como saudáveis ou não saudáveis, atrativas(bonitas) e não atrativas (feias mesmo), e cansadas ou descansadas.


Escala analógica visual utilizada para estudos sobre percepção da dor. A pergunta é "Quão severa é sua dor?" e o sujeito deve marcar um "X" na escala de acordo com a intensidade, iniciando em "Dor nenhuma" até "Pior dor Imaginável" (clique na imagem para os créditos e mais informações).

O que os pesquisadores descobriram é que ficar 31h sem dormir deixa as pessoas parecendo menos saudáveis, mais feias e mais cansadas (sério?) quando comparadas com elas mesmas, após uma boa noite de sono.

A imagem acima é de um dos sujeitos do estudo. A fotografia do lado esquerdo foi tirada após uma noite de sono normal, e a da direita após 31h de privação de sono. 

Utilizando uma ferramenta estatística (regressão linear) os pesquisadores avaliaram as correlações entre atratividade vs saúde; atratividade vs cansaço e saúde vs cansaço. A figura abaixo ilustra essas correlações. 
Relação entre saúde, cansaço e atratividade. Clique na figura para ampliar, créditos e mais informações.

Observando a primeira parte da figura pode-se pensar que quanto mais saudável, mais atraente uma pessoa parece. Na segunda parte nota-se que quanto mais cansado, menos atraente parece a pessoa. A última parte indica que quanto mais cansado, menos saudável. E é assim que os pesquisadores concluem seu estudo: "Pessoas são capazes de detectar a privação de sono, baseados em pistas faciais."

E qual a relevância científica dessa informação? Bem, até esse estudo ser realizado, não existiam dados empíricos demonstrando a habilidade de percepção de privação de sono, baseando-se em pistas faciais. Sabendo isso, médicos e clínicos, poderão utilizar essa informação como mais uma variável a ser observada durante os exames clínicos.

Eu prefiro a relevância quase irônica do estudo. O segredo da bela adormecida ser tão bela é nunca estar privada de sono.

Se em outros textos encerrei com "dormir para lembrar" hoje é dia de "dormir para embelezar".

Referência:

Axelsson J, Sundelin T, Ingre M, Van Someren EJ, Olsson A, Lekander M. Beauty sleep: experimental study on the perceived health and attractiveness of sleep deprived people. BMJ. 2010 Dec 14;341:c6614. doi: 10.1136/bmj.c6614.



domingo, 18 de setembro de 2011

Dormir para lembrar só o que realmente importa?

Aproveitando o sábado cinzento em Curitiba e a inspiração para escrever, comentarei aqui um dos meus artigos favoritos.

Todos sabemos que é impossível lembrar de todos os eventos que experienciamos certo? Também sabemos que quando dormimos realizamos a consolidação do que aprendemos enquanto acordado. Mas por que será que depois de uma boa noite de sono lembramos apenas uma parte do que aprendemos no dia anterior nos dias anteriores?

Uma possível resposta é bastante simples: porque não há espaço, nem energia, para tudo.
Outra resposta seria que o sono atua como um filtro consolidando arquivando só o que realmente importará no futuro. É o que mostra o estudo "Sleep selectively enhances memory expected to be of future relevance" (O sono seletivamente melhora memórias de relevância futura). O grupo de pesquisadores alemães coordenado pelo neurocientista Jan Born ensinou uma série de lista de palavras para sujeitos que após aprenderem foram informados que seriam testados sobre estas listas após o sono. Outro grupo aprendeu a mesma lista mas não foi informado de que seria testado após o sono. Havia também grupos que aprenderam a tarefa e não puderam dormir antes do teste, um deles ficou sabendo que seria testado e outro não.

O que aconteceu é que o grupo que dormiu e tinha a expectativa de ser testado teve o melhor desempenho entre todos os grupos. A figura acima retirada do artigo original apresenta o desempenho dos sujeitos para o teste, em preto o desempenho dos sujeitos dos grupos com a expectativa e em branco sujeitos que não esperavam ser testados. Mais interessante ainda é a figura ao lado que mostra apenas três grupos. Ali estão organizados os dados dos sujeitos que deveriam fazer parte do grupo sem expectativa de teste, porém, esses sujeitos desconfiaram que seriam testados, portanto, formaram um novo grupo. Note que apenas os sujeitos que desconfiaram e dormiram tiveram uma melhora significativa no desempenho.

Não contentes com essas informações os pesquisadores foram além e testaram o mesmo desenho experimental usando outros tipos de teste. Fizeram o mesmo para uma tarefa de discriminação visual de 2 dimensões (jogo da memória!) e obtiveram o mesmo resultado. Testaram memória não declarativa, através de um teste de digitação de sequência e o resultado foi o mesmo. O sono ajuda a consolidar seletivamente memórias que serão relevantes no futuro!

Esse trabalho é mais uma evidência importante para o papel do sono na consolidação da memória e mostra que o sono participa ativamente nesses processos.

Acho que está na hora de juntar as teorias da Homeostase Sináptica com o Processo ativo de consolidação.

Referência:

Wilhelm IDiekelmann SMolzow IAyoub AMölle MBorn J. Sleep selectively enhances memory expected to be of future relevanceJ Neurosci. 2011 Feb 2;31(5):1563-9. 

"Ideias a mil"

sábado, 17 de setembro de 2011

Dormir, sonhar e lembrar - Parte 5 - O sono, os sonhos, e a memória

Esse poderia muito bem ser um post "pescador", para isso bastaria eu colocar no título a frase "Significado dos sonhos" ou algo como "entenda os seus sonhos". Mas este não é, nem de longe, o propósito desse blog. Também devo avisar que não tenho a menor pretensão de escrever sobre a relação da psicologia e/ou psicanálise com os sonhos o enfoque principal será como a neurociência entende os sonhos.

Entre as teorias vigentes tentando dar aos sonhos uma possível função neurobiológica está a ideia de que os sonhos teriam uma função adaptativa.

Neste post falarei um pouco sobre algumas teorias que figuram na neurociência e que tem como objetivo explicar o que são os sonhos e também para que servem os sonhos. Novamente farei apenas um resumo dos pontos principais de cada teoria e apontar algumas evidências. Com o passar do tempo farei novos textos explicando com maior detalhes cada uma dessas teorias.


Sonhos e Freud:


Curto e grosso: para Freud os sonhos seriam a expressão dos desejos mais recalcados.
Para Freud os sonhos possuem um sentido, ou um significado, possibilitando assim a sua interpretação. Freud ainda diz que esses desejos são expressos durante os sonhos devido a supressão do "ego" durante o sono, o que permitiria a expressão do ID. A figura faz uma representação de o que seriam o ID, EGO e SUPER EGO (clique na figura para créditos).
Além de toda a contribuição de Freud  para a psicanálise, vale a pena ressaltar que Freud foi o primeiro a acreditar que os sonhos eram a chave para entender a mente humana.

Sonhos e Allan Hobson:
Muito tempo depois da publicação do livro "A interpretação dos Sonhos - Sigmund Freud, 1900". E com muito mais recursos tecnológicos para estudar o cérebro surge a proposta  encabeçada pelo neurocientista J. Allan Hobson, de que os sonhos representariam um estado de protoconsciência.
Não entrarei em detalhes neste post sobre o que o Hobson chama de protoconsciência e apresentarei aqui uma ideia sucinta de sua teoria.
Para Hobson, graças às ativações pelas ondas PGO (Ponto-Genículo-Occipitais) e de uma inibição do córtex prefrontal, haveria uma ativação aleatória de diferentes áreas do córtex de modo que os sonhos seriam formados por ativações de redes neuronais que contenham informações de eventos que já vivemos. Preferencialmente eventos recentes e com algum substrato emocional.
Sendo assim, para Hobson os sonhos são a consequência dessa ativação. E devido ao caráter aleatório dessa ativação os sonhos não possuiriam um roteiro fixo.

Sonhos e uma possível Função Adaptativa:
Sonhar com uma tarefa aprendida é associado com melhora do seu desempenho em teste pós sono.
É com esse título que um grupo de pesquisadores liderados pelo neurocientista Robert Stickgold apresenta mais uma evidência de que os sonhos teriam participação ativa nos processos de consolidação de memórias declarativas. Basicamente o que foi descoberto por esse grupo é que sujeitos que tiveram sonhos relacionados com o teste que haviam aprendido antes de dormir tiveram um desempenho quase 10 vezes melhor que sujeitos que não dormiram e sujeitos que não relataram sonhos.
Juntamente com uma série de outras evidências existe a proposta de que os sonhos teriam uma função adaptativa. Explico:
Segundo essa teoria, durante os sonhos o nosso cérebro faria a reativação de diferentes redes neurais, reverberando o que foi aprendido e testando diferentes possibilidades e soluções para problemas. Simples e interessante não?
Além de evidências empíricas para esta hipótese existe também uma série de histórias de prêmios Nobel que creditam a solução de seus problemas a sonhos criativos. Dentre eles August Kekulé,  Otto Loewi, Dimitri Mendeleev.
Essa ideia de que os sonhos teriam uma função adaptativa é apoiada por diversos grupos de pesquisa, incluindo pesquisadores brasileiros como Sidarta Ribeiro que além de desenvolver pesquisa, escreve com frequência sobre o tema em sua coluna na revista Mente & Cérebro.

Existem outras tentativas de atribuir uma função aos sonhos, porém, para o propósito deste post escolhi apenas essas três, com tempo escreverei mais sobre sonhos, sonhos lúcidos e o que a neurociência tem a dizer.

Para o momento concluo que a neurociência passou muito tempo sem dar a atenção devida aos sonhos e com o devido investimento em pesquisa teremos novidades bastante interessantes e que poderão ajudar a explicar o funcionamento do cérebro e entender as funções do sono.

"Let´us learn to dream, gentleman, and then perhaps we shall learn the truth" - August Kekulé.
"Aprendamos a sonhar, senhores, e então talvez teremos a verdade".