segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Os processos "C" e "S" de regulação do Sono

Para preparar para a leitura do próximo texto "Só mais dez minutos" decidi fazer uma descrição sobre o modelo que usamos para explicar como o sono é regulado. A ideia é que as pessoas encontrem aqui informações sobre o que é chamado de Processo Circadiano (Processo C) e Processo Homeostático (Processo S) de regulação do sono. O modelo que explica esses dois processos foi proposto por Borbély em 1982 com o trabalho intitulado "A two process model of sleep regulation" O modelo de dois processos para a regulação do sono. Veja a figura abaixo para um esquema didático do modelo.
Figura 1. Modelo de dois processos de regulação do sono. Em azul claro representado 24h de um dia. Em cinza uma curva representando o Processo "S" de regulação do sono se acumulando ao longo do dia e sendo dissipado durante o sono. Os clip-art de sol e lua formam a curva que representa o processo "C" de regulação do sono. Em Vermelho outra curva representando a propensão ao sono consequente da ação dos dois processos "C" e "S". As duas setas violetas indicam os dois principais portões do sono. 
Ainda está complicado? Então faremos como o Jack, vamos por partes!
Para entender como funciona essa regulação precisamos entender o que a palavra "Circadiano" significa. A palavra tem origem no latim "Circa - cerca de" e "diem - dia", sendo assim "Circadiano" significa cerca de um dia. Cronobiologicamente falando, usamos o termo para representar ritmos biológicos com período próximo a 24 horas.
Sendo assim, o processo Circadiano está relacionado com a regulagem do momento que devemos dormir. Ou seja, é ele que indicaria para o corpo quando está claro, ou escuro. Como somos animais diurnos temos a tendência de dormir a noite. Então a propensão ao sono, relacionada ao processo circadiano fica aumentada durante a noite.
Agora podemos olhar com atenção o diagrama a seguir que mostra apenas a participação do processo "C" na regulação do sono.
Figura 2. Processo Circadiano da Regulação do Sono. Os clip-art sol e lua indicam a variação diária do ciclo claro/escuro.  Estes formam uma curva que também indica a propensão ao sono ao longo de 24h se considerado apenas a participação do processo Circadiano.
Para simplificar as coisas mais do que já simplifiquei podemos pensar no processo Circadiano como a regulação feita pelo ciclo claro/escuro. Quando está claro nossa propensão ao sono diminui e tendemos a ficar mais alertas, o inverso ocorre quando está escuro.
E o processo Homeostático, também chamado de Processo "S"? Aqui também discutiremos primeiro o que significa a palavra "homeostático". O termo vem de "homeostasia" que na fisiologia clássica é definida como "a manutenção das condições internas dos organismos constante". Mas eu prefiro pensar em homeostasia como de um modo menos clássico. Mais uma vez vamos por partes. O termo, homeostasia, deriva do grego "homeo - semelhante" e "stasis - situação", portanto, "homeostasia - situação semelhante".
A ideia que quero passar aqui é que a homeostasia compreende todos os processos e regulações necessários para a manutenção do organismo.
Chega de confusão e vamos voltar para o Processo "S". O que Borbély quer representar com esse processo é que além da regulação circadiana, o sono é regulado pelo acúmulo do seu débito. Como assim? Quanto mais acordado se fica, mais se acumula a necessidade de dormir, até chegar em um momento que o acúmulo fica insuportável e as criaturas dormem. Agora é hora de observar mais um esquema!

Figura 3. Processo de Regulação Homeostática do Sono. Em cinza uma curva indicando o acúmulo e dissipação da necessidade de dormir ao longo das 24h.
Algumas pessoas podem perguntar "é como acumular uma substância?" Eu diria que é quase isso, não é apenas uma substância porque o sono é um comportamento que envolve todo o corpo, mas se fosse para escolher uma, e apenas uma substância como indicadora do processo "S" eu e todo o referencial bibliográfico que tenho lido escolheria a adenosina. Mas isso é assunto para outro texto.
E quando é que dormimos? Finalmente, dormimos quando os dois processos apontarem para a mesma direção, ou seja, quando o processo "C" indicar que é momento de dormir e quando o processo "S" indicar que já acumulamos necessidade de sono suficiente para dormir! Volte para a figura 1!!!

Até lá eu ficarei escrevendo e sim, eu aceito críticas e sugestões! ;-p)

ResearchBlogging.org
Borbély AA (1982). A two process model of sleep regulation. Human neurobiology, 1 (3), 195-204 PMID: 7185792

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cérebro Sonâmbulo.

O que acontece com neurônios corticais de animais que ficam privados de sono? Será que, individualmente, eles podem dormir enquanto outros neurônios, de outras áreas do córtex, permanecem acordados? Se isso acontece, há então neurônios sonâmbulos? Se existirem neurônios sonâmbulos seria possível existir um cérebro sonâmbulo com populações de neurônios que dormem enquanto outras estão ativas? E se isso acontecer, será que há prejuízo para o desempenho cognitivo? Ou melhor, seria essa uma possível explicação para a queda no desempenho cognitivo quando se está sonolento?

Foi com essas perguntas em mente que comecei a leitura do artigo Local Sleep in Awake Rats
desenvolvido pelo pesquisador Vladyslav V. Vyazovskiy e colegas do laboratório liderado por Giulio Tononi  publicado na revista Nature. Utilizando de um sistema de microeletrodos eles registraram tanto o potencial de campo local de uma população de neurônios como o que eles chamam de atividade multi-unitária (MUA - que registra o padrão de disparo de neurônios individuais), em momentos de vigília e sono espontâneos. O que eles queriam era saber se neurônios corticais de ratos podem exibir estados de inativação (Off) durante a vigília, semelhante aos que são observados em momentos de sono NREM quando são registradas as famosas ondas lentas.
Clique para descobrir a fonte!
Para minha surpresa, as conclusões desse trabalho respondem quase todas as minhas questões. Quando os animais foram privados de sono (SD4 - 4 horas de privação) houve uma mudança no potencial de campo local (LFP na figura 2) de alguns neurônios registrados, quer dizer, com a privação de sono começaram a surgir ondas lentas locais, coerentes com a ausência de disparo neuronais (note a falha na porção inferior do retângulo da figura 2c). Interessante notar que antes da privação de sono esse tipo de onda lenta não foi observado. Desse modo,  algumas perguntas foram respondidas, neurônios individuais e populações de neurônios ficam "Off" após privação de sono enquanto outros permanecem "online". Parece que existe sim neurônios sonâmbulos!

Figura 2. Períodos "Off" durante a vigília e o sono NREM. a) Registro de LFP do córtex frontal e  raster plot do MUA. b)Esquerda- força espectral para ondas theta/slow (2-6Hz), Direita-Força espectral para  atividades de ondas lentas (0.5-2Hz). c) Mudanças de estados On e Off. *Atenção para área destacada. Fonte: http://www.nature.com/nature/journal/v472/n7344/carousel/nature10009-f1.2.jpg

Como se não bastasse esse achado fantástico, tem mais! Não contentes em saber que neurônios podem ficar "Off" durante a vigília, os pesquisadores tentaram identificar se esses estados são globais ou locais. Para isso foram necessários mais alguns animais, agora com matrizes de microeletrodos posicionados em regiões diferentes do cérebro. Uma matriz registrava os padrões elétricos da porção mais frontal e outro de uma região mais parietal. Resultado? Quando os animais foram privados de sono por 4 horas foi possível observar a existência de surtos globais, mas também surtos locais de neurônios em estado "Off"! Mais interessante ainda foi notar que quanto maior a privação mais global se torna esse fenômeno.
Figura 3 - Períodos de sono local em ratos acordados. Fonte: http://www.nature.com/nature/journal/v472/n7344/carousel/nature10009-f2.2.jpg
Outra novidade interessante é que aparentemente o sono não é um evento tão sincronizado como se pensava. Note na figura 3 que durante o sono de ondas lentas existem atividade de ondas lentas globais, mas também existe ondas lentas locais. E durante o sono o que ocorre é que quanto mais se dorme mais local se torna o evento. Ou seja, há uma dissipação da atividade de ondas lentas no decorrer da noite.
Mais perguntas respondidas! E agora? Será que há uma correlação entre o número de neurônios em estado "Off" e o baixo desempenho cognitivo?
Segundo esse estudo, SIM! Animais privados de sono não apenas demonstraram pior desempenho em uma tarefa cognitiva como foi possível correlacionar os erros cometidos por esses animais com momentos "Off" de neurônios do córtex frontal! Sim, neurônios localizados na região cerebral associada ao planejamento!

Conclusão: Esses eventos "Off" que o autor chama de "sono localizado" podem representar um processo adaptativo, se pensarmos que em alguns cetáceos e em algumas aves um hemisfério pode dormir enquanto o outro permanece acordado para dar conta dos movimentos necessários para continuarem nadando ou voando. Seria mal adaptativa se interpretada como os estados comportamentais dissociados como o sonambulismo (verdadeiro) e algumas parassonias.
Questões em aberto: Será que esse mesmo padrão acontece em humanos? Poderia isso explicar o "cansaço" cognitivo após longos períodos de vigília?

Vou esperar para ver...

Esse foi mais um:


ResearchBlogging.org
Vyazovskiy VV, Olcese U, Hanlon EC, Nir Y, Cirelli C, & Tononi G (2011). Local sleep in awake rats. Nature, 472 (7344), 443-7 PMID: 21525926

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Vou xingar muito no Twitter... e parar na Science!

Ei você twitteiro que adora extravasar suas emoções na rede atenção, suas frases em inglês xingar muito no twitter podem ter reverberado e parado em um artigo da Science.
Já parou para pensar quantas vezes por dia você extravasa suas emoções em 140 caracteres?
A dupla de cientistas Scott A. Golder e Michael W. Macy da Cornell University teve uma sacada muito interessante. Eles decidiram avaliar o conteúdo emocional de frases postadas no twitter por usuários do mundo inteiro. Para isso eles montaram um banco de dados, contendo mais de 500 milhões de mensagens de cerca de 2,4 milhões de indivíduos. Em seguida, eles contaram com a ajuda de um software que faz análise do conteúdo léxico de textos (o LIWC) para avaliar o conteúdo emocional dessas "twittadas".
Com a ajuda do LIWC eles classificaram as frases que continham conteúdo emocional positivo (EP), tais como entusiasmo, prazer, alerta, e frases que continham conteúdo emocional negativo (NP) que inclui angústia, raiva, medo, culpa, desgosto, entre outros.
Após essa classificação os cientistas focaram suas análises em outros fatores, tais como o momento do dia e a localização geográfica. Com isso eles observaram que existe uma variação no humor ao longo do dia. Segundo esse estudo, os humanos expressam maior conteúdo emocional positivo em dois momentos do dia, um deles no início da manhã (entre 6h e 9h) e outro pico à noite (por volta das 24h). Além disso, eles também observaram que o menor índice de "twittadas" cujo conteúdo emocional era negativo ocorre no começo da manhã e cresce ao longo do dia até atingir seu pico durante a noite (por volta das 24h).
Fig 1. Variação horária da emoção dividido por dia da semana (superior PA = EP, inferior NA = EN), linhas pretas mostram as médias e 95% de intervalo de confiança nas regiões coloridas. Retirado do original que a Science me perdoe.
Uma conclusão precipitada seria: "ah, isso é óbvio, as pessoas acordam bem humoradas, vão para o trabalho e ficam estressadas, consequentemente xingam muito no twitter ficam mau humoradas." Mas não é exatamente essa a conclusão do estudo. Como eles também avaliaram as "twittadas" durante o final de semana, e foi possível observar o mesmo ritmo de variação circadiana do humor, com um atraso de duas horas, desse modo, parece claro que a variação do humor ao longo do dia é independente do fator trabalho. Provavelmente essa piora esteja relacionada ao sono, algo como a relação quanto mais tempo acordados mais mau humorados. Concorndando com a ideia de que privação de sono gera sonolência e pessoas sonolentas são mais irritadas.
Além disso, o trabalho sugere que essa variação circadiana do humor é uma característica bastante forte da espécie humana, mantendo-se presente nas mais variadas culturas. A figura 2 apresenta a variação horária do humor para quatro regiões distintas. Pode-se notar que o ritmo se mantém independe dos fatores culturais.
Variação horária do humor dividido em quatro grandes áreas de falantes de inglês.  Retirado do original .
Bonito, não? O que faz desse trabalho tão diferente do que já foi feito em estudos que avaliam o humor é a forma como foi obtido o dado. Estudos clássicos realizados em laboratório contam com  mais informações a respeito dos sujeitos, no entanto, é diferente quando você perguntar para uma pessoa "Como você está se sentindo agora?"  do que quando uma pessoa, espontaneamente, xinga muito no twitter expressa sua emoção.
A beleza do resultado desse trabalho está aí, estudar o comportamento humano em seu ambiente virtual natural, com sua apresentação espontânea e livre de manipulações ou simulações que eventualmente acontecem em laboratórios.
Será que tem alguém estudando as relações sociais utilizando essas redes virtuais? Quando tiver tempo darei um "google" nisso para ver o que encontro.


ResearchBlogging.org
Golder SA, & Macy MW (2011). Diurnal and seasonal mood vary with work, sleep, and daylength across diverse cultures. Science (New York, N.Y.), 333 (6051), 1878-81 PMID: 21960633



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Sono da beleza: O segredo da bela adormecida?

É exatamente o que parece. Uma das diversas funções do sono é o efeito de beleza. Novidade? Nem tanto assim, afinal quem conhece a história da "Bela Adormecida" já deve ter pensado nisso. O que vou contar nesse post é que apenas em 2010 surgiu o relato científico válido que demonstra os efeitos positivos do sono na percepção de saúde e beleza em pessoas privadas de sono (clique na imagem para os créditos e mais informações). Em outras palavras, ficar sem dormir faz com que você pareça feio, cansado e parecendo doente.


Pois bem, o estudo intitulado Beauty sleep: experimental study on the perceived health and attractiveness of sleep deprived people (Sono da beleza: estudo experimental sobre a percepção de saúde e atratividade em pessoas privadas de sono), foi publicado numa revista científica britânica, BMJ, cujo fator de impacto de 2009 foi de 13,66!
Os autores, liderados por John Axelsson,  fotografaram 23 sujeitos em situações de privação de sono (31 horas de privação de sono!) e em situações de sono normal. Em seguida eles mostraram essas figuras para 65 observadores, com idades entre 18-63 anos. O que os observadores tinham que fazer era dar nota, em uma escala analógica visual (VAS) como essas comumente utilizadas em estudos sobre dor. Nessas escalas os sujeitos classificavam as pessoas das fotos como saudáveis ou não saudáveis, atrativas(bonitas) e não atrativas (feias mesmo), e cansadas ou descansadas.


Escala analógica visual utilizada para estudos sobre percepção da dor. A pergunta é "Quão severa é sua dor?" e o sujeito deve marcar um "X" na escala de acordo com a intensidade, iniciando em "Dor nenhuma" até "Pior dor Imaginável" (clique na imagem para os créditos e mais informações).

O que os pesquisadores descobriram é que ficar 31h sem dormir deixa as pessoas parecendo menos saudáveis, mais feias e mais cansadas (sério?) quando comparadas com elas mesmas, após uma boa noite de sono.

A imagem acima é de um dos sujeitos do estudo. A fotografia do lado esquerdo foi tirada após uma noite de sono normal, e a da direita após 31h de privação de sono. 

Utilizando uma ferramenta estatística (regressão linear) os pesquisadores avaliaram as correlações entre atratividade vs saúde; atratividade vs cansaço e saúde vs cansaço. A figura abaixo ilustra essas correlações. 
Relação entre saúde, cansaço e atratividade. Clique na figura para ampliar, créditos e mais informações.

Observando a primeira parte da figura pode-se pensar que quanto mais saudável, mais atraente uma pessoa parece. Na segunda parte nota-se que quanto mais cansado, menos atraente parece a pessoa. A última parte indica que quanto mais cansado, menos saudável. E é assim que os pesquisadores concluem seu estudo: "Pessoas são capazes de detectar a privação de sono, baseados em pistas faciais."

E qual a relevância científica dessa informação? Bem, até esse estudo ser realizado, não existiam dados empíricos demonstrando a habilidade de percepção de privação de sono, baseando-se em pistas faciais. Sabendo isso, médicos e clínicos, poderão utilizar essa informação como mais uma variável a ser observada durante os exames clínicos.

Eu prefiro a relevância quase irônica do estudo. O segredo da bela adormecida ser tão bela é nunca estar privada de sono.

Se em outros textos encerrei com "dormir para lembrar" hoje é dia de "dormir para embelezar".

Referência:

Axelsson J, Sundelin T, Ingre M, Van Someren EJ, Olsson A, Lekander M. Beauty sleep: experimental study on the perceived health and attractiveness of sleep deprived people. BMJ. 2010 Dec 14;341:c6614. doi: 10.1136/bmj.c6614.



domingo, 18 de setembro de 2011

Dormir para lembrar só o que realmente importa?

Aproveitando o sábado cinzento em Curitiba e a inspiração para escrever, comentarei aqui um dos meus artigos favoritos.

Todos sabemos que é impossível lembrar de todos os eventos que experienciamos certo? Também sabemos que quando dormimos realizamos a consolidação do que aprendemos enquanto acordado. Mas por que será que depois de uma boa noite de sono lembramos apenas uma parte do que aprendemos no dia anterior nos dias anteriores?

Uma possível resposta é bastante simples: porque não há espaço, nem energia, para tudo.
Outra resposta seria que o sono atua como um filtro consolidando arquivando só o que realmente importará no futuro. É o que mostra o estudo "Sleep selectively enhances memory expected to be of future relevance" (O sono seletivamente melhora memórias de relevância futura). O grupo de pesquisadores alemães coordenado pelo neurocientista Jan Born ensinou uma série de lista de palavras para sujeitos que após aprenderem foram informados que seriam testados sobre estas listas após o sono. Outro grupo aprendeu a mesma lista mas não foi informado de que seria testado após o sono. Havia também grupos que aprenderam a tarefa e não puderam dormir antes do teste, um deles ficou sabendo que seria testado e outro não.

O que aconteceu é que o grupo que dormiu e tinha a expectativa de ser testado teve o melhor desempenho entre todos os grupos. A figura acima retirada do artigo original apresenta o desempenho dos sujeitos para o teste, em preto o desempenho dos sujeitos dos grupos com a expectativa e em branco sujeitos que não esperavam ser testados. Mais interessante ainda é a figura ao lado que mostra apenas três grupos. Ali estão organizados os dados dos sujeitos que deveriam fazer parte do grupo sem expectativa de teste, porém, esses sujeitos desconfiaram que seriam testados, portanto, formaram um novo grupo. Note que apenas os sujeitos que desconfiaram e dormiram tiveram uma melhora significativa no desempenho.

Não contentes com essas informações os pesquisadores foram além e testaram o mesmo desenho experimental usando outros tipos de teste. Fizeram o mesmo para uma tarefa de discriminação visual de 2 dimensões (jogo da memória!) e obtiveram o mesmo resultado. Testaram memória não declarativa, através de um teste de digitação de sequência e o resultado foi o mesmo. O sono ajuda a consolidar seletivamente memórias que serão relevantes no futuro!

Esse trabalho é mais uma evidência importante para o papel do sono na consolidação da memória e mostra que o sono participa ativamente nesses processos.

Acho que está na hora de juntar as teorias da Homeostase Sináptica com o Processo ativo de consolidação.

Referência:

Wilhelm IDiekelmann SMolzow IAyoub AMölle MBorn J. Sleep selectively enhances memory expected to be of future relevanceJ Neurosci. 2011 Feb 2;31(5):1563-9. 

"Ideias a mil"

sábado, 17 de setembro de 2011

Dormir, sonhar e lembrar - Parte 5 - O sono, os sonhos, e a memória

Esse poderia muito bem ser um post "pescador", para isso bastaria eu colocar no título a frase "Significado dos sonhos" ou algo como "entenda os seus sonhos". Mas este não é, nem de longe, o propósito desse blog. Também devo avisar que não tenho a menor pretensão de escrever sobre a relação da psicologia e/ou psicanálise com os sonhos o enfoque principal será como a neurociência entende os sonhos.

Entre as teorias vigentes tentando dar aos sonhos uma possível função neurobiológica está a ideia de que os sonhos teriam uma função adaptativa.

Neste post falarei um pouco sobre algumas teorias que figuram na neurociência e que tem como objetivo explicar o que são os sonhos e também para que servem os sonhos. Novamente farei apenas um resumo dos pontos principais de cada teoria e apontar algumas evidências. Com o passar do tempo farei novos textos explicando com maior detalhes cada uma dessas teorias.


Sonhos e Freud:


Curto e grosso: para Freud os sonhos seriam a expressão dos desejos mais recalcados.
Para Freud os sonhos possuem um sentido, ou um significado, possibilitando assim a sua interpretação. Freud ainda diz que esses desejos são expressos durante os sonhos devido a supressão do "ego" durante o sono, o que permitiria a expressão do ID. A figura faz uma representação de o que seriam o ID, EGO e SUPER EGO (clique na figura para créditos).
Além de toda a contribuição de Freud  para a psicanálise, vale a pena ressaltar que Freud foi o primeiro a acreditar que os sonhos eram a chave para entender a mente humana.

Sonhos e Allan Hobson:
Muito tempo depois da publicação do livro "A interpretação dos Sonhos - Sigmund Freud, 1900". E com muito mais recursos tecnológicos para estudar o cérebro surge a proposta  encabeçada pelo neurocientista J. Allan Hobson, de que os sonhos representariam um estado de protoconsciência.
Não entrarei em detalhes neste post sobre o que o Hobson chama de protoconsciência e apresentarei aqui uma ideia sucinta de sua teoria.
Para Hobson, graças às ativações pelas ondas PGO (Ponto-Genículo-Occipitais) e de uma inibição do córtex prefrontal, haveria uma ativação aleatória de diferentes áreas do córtex de modo que os sonhos seriam formados por ativações de redes neuronais que contenham informações de eventos que já vivemos. Preferencialmente eventos recentes e com algum substrato emocional.
Sendo assim, para Hobson os sonhos são a consequência dessa ativação. E devido ao caráter aleatório dessa ativação os sonhos não possuiriam um roteiro fixo.

Sonhos e uma possível Função Adaptativa:
Sonhar com uma tarefa aprendida é associado com melhora do seu desempenho em teste pós sono.
É com esse título que um grupo de pesquisadores liderados pelo neurocientista Robert Stickgold apresenta mais uma evidência de que os sonhos teriam participação ativa nos processos de consolidação de memórias declarativas. Basicamente o que foi descoberto por esse grupo é que sujeitos que tiveram sonhos relacionados com o teste que haviam aprendido antes de dormir tiveram um desempenho quase 10 vezes melhor que sujeitos que não dormiram e sujeitos que não relataram sonhos.
Juntamente com uma série de outras evidências existe a proposta de que os sonhos teriam uma função adaptativa. Explico:
Segundo essa teoria, durante os sonhos o nosso cérebro faria a reativação de diferentes redes neurais, reverberando o que foi aprendido e testando diferentes possibilidades e soluções para problemas. Simples e interessante não?
Além de evidências empíricas para esta hipótese existe também uma série de histórias de prêmios Nobel que creditam a solução de seus problemas a sonhos criativos. Dentre eles August Kekulé,  Otto Loewi, Dimitri Mendeleev.
Essa ideia de que os sonhos teriam uma função adaptativa é apoiada por diversos grupos de pesquisa, incluindo pesquisadores brasileiros como Sidarta Ribeiro que além de desenvolver pesquisa, escreve com frequência sobre o tema em sua coluna na revista Mente & Cérebro.

Existem outras tentativas de atribuir uma função aos sonhos, porém, para o propósito deste post escolhi apenas essas três, com tempo escreverei mais sobre sonhos, sonhos lúcidos e o que a neurociência tem a dizer.

Para o momento concluo que a neurociência passou muito tempo sem dar a atenção devida aos sonhos e com o devido investimento em pesquisa teremos novidades bastante interessantes e que poderão ajudar a explicar o funcionamento do cérebro e entender as funções do sono.

"Let´us learn to dream, gentleman, and then perhaps we shall learn the truth" - August Kekulé.
"Aprendamos a sonhar, senhores, e então talvez teremos a verdade".



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Professores da UFPR em greve, e daí?


Acabo de ouvir nos corredores da UFPR que os professores decidiram, em assembleia realizada hoje, entrar em greve. 
Mas eu, como aluno de pós-graduação me pergunto, e daí? Quem é que percebe uma greve de professores? Ou como diria o Chaves, "Quem se importa?"  (Não, pelo menos dessa vez não coma a torta!).
Inicialmente quem perceberá essa greve será apenas os alunos. Mas e o contribuinte? Será que aquele cara que não possui vínculo algum com a UFPR, mas paga os impostos que mantém a univerdade, vai perceber a existência dessa greve? Eu duvido, ou melhor, eu tenho certeza de que não irá perceber, pior, não vai nem se importar. No máximo irá fazer uma piada com algum estudante dizendo: "se ferrou, vai passar o mês de janeiro na sala de aula".

Então, de que adianta essa greve? Qual o motivo de cruzar os braços?
Entre as respostas virá a mais óbvia: Salário! Professores e servidores técnicos estão sem reajuste há 2 anos (se eu não estiver enganado, caso sim a correção é bem vinda). Além dos salários os professores e servidores apresentam uma lista bastante grande de reivindicações que podem ser lidas no link http://greveufpr.org/ .Ainda sobre os salários, tenho visto muita gente comentando que professor de UF ganha uma fortuna "só para dar aula". Só para dar aula?

Cheguei onde eu queria, ao meu ver o motivo principal dessa greve não é apenas salário, mas sim o reconhecimento e a valorização da educação, consequentemente do professor. 

Por que valorizar o professor?
Fico imensamente triste em ter que responder essa pergunta. Infelizmente vivemos a geração do individualismo e do imediatismo, a geração em que o termo consumidor suplantou o termo cidadão. E essa geração aprendeu que profissional valorizado é o profissional que ganha bem, que fica rico, o restante não merece respeito ou valorização. Essa geração também cresceu vendo os professores reclamando dos seus salários e exibindo contra-cheques vergonhosos, desse modo, essa geração aprendeu que professor não é profissão de sucesso, não merece respeito.

Feita a introdução, apresento os motivos que me fazem gritar pela valorização do professor. O professor é o principal responsável pela formação do cidadão. É o ator principal na arte de educar, e é responsável por permitir ao cidadão o acesso ao conhecimento. 
E mesmo para essa geração que valoriza o profissional bem pago o professor é importante. É graças ao professor que o médico aprendeu a medicina, o engenheiro, o advogado, o JOGADOR DE FUTEBOL, todos os profissionais precisam de um professor. Pensando dessa maneira, nada mais justo que valorizar o professor.

Faço também um adendo ao professor das universidades públicas, este possui outras atividades além de apenas "dar aula". A grande maioria deles assume função de pesquisador/cientista e outros tantos também atuam no que chamam de extensão. Como pesquisadores/cientistas os professores são responsáveis pelo avanço científico do nosso país. São eles que lutam diariamente para responder todas as perguntas possíveis, são eles que batalham pelo desenvolvimento tecnológico do país. A atuação na extensão envolve desde a participação nas clínicas-escola até o desenvolvimento de projetos que leva a universidade e o conhecimento a todos, programas de uso responsável de medicamentos, programas de apoio ao agricultor e outras centenas ou quiçá milhares.
Selecionei apenas uma porção de argumentos, poderia passar horas escrevendo outros... 

E assim é chegada a hora de lutar pela valorização da educação. Mas que não seja uma greve de pijamas, que seja uma luta com participação de todos os envolvidos, professores, servidores técnicos e estudantes. É hora de ir para as ruas e gritar pela educação do nosso país, pintar a cara e bater o pé até que o contribuinte perceba a movimentação, e ... quem sabe... se gritar realmente alto ser ouvido.

Com aquela frase velha e bastante conhecida encerro meu desabafo: "Por uma educação pública, gratuita e de qualidade"

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dormir, sonhar e lembrar - Parte 4 Ainda sobre sono e memória

Momento de falarmos sobre a Hipótese da Homeostase Sinápitca (Sleep Function and Synaptic homeostasis hypothesis) que foi proposta pelos pesquisadores Giulio Tononi e Chiara Cirelli em 2003 e revista em 2006. Contar a história toda tomaria muito tempo, e caracteres, por isso apresentarei nesse post apenas ao que eu considero o mais importante de toda a história.
A Hipótese da Homeostase Sináptica reivindica que o sono tem um papel fundamental na regulação do "peso" das sinapses.
Como assim? Sinapses tem "peso"?
O que acontece é que cada vez que reforçamos algum aprendizado, nosso cérebro também reforça as conexões que representam aquele aprendizado ou memória. Então o "peso" dessa sinapse representa o quanto ela está sendo reforçada e modificada, essas modificações podem ser estruturais (número de botões sinápticos) ou apenas relacionadas a quantidade de neurotransmissor liberado ou de receptores expressos na membrana pós sináptica.

Observe com atenção a figura abaixo e identifique na figura os passos 1, 2 e 3. Será deles que falarei em seguida. (clique na imagem para ampliar)

 A hipótese da homeostase sináptica
Já é consenso que a vigília é associada a potenciação das sinapses em diversos circuitos neuronais. Para facilitar a compreensão da hipótese vamos considerar que essa potenciação das sinapses, ou potenciação sináptica, represente o "peso" das sinapses. Pensando dessa maneira o que ocorre durante o dia é o aumento do peso das sinapses..
Seguindo os passos da figura acima, o número 1 indicaria o momento em que acordamos, ou o nosso ponto de partida aqui. Notem que as duas sinapses representadas apresentam pesos iguais (w=100) e o peso total dessas sinapses é 200 (valores hipotéticos!). Ao longo do dia  os pesos dessas sinapses é modificado e adicionamos novas conexões, o que altera o peso total. Note que próximo ao número 2 é possível observar que uma das sinapses teve seu peso aumentado (w=150) e que surgiu uma nova conexão (w=5). A soma total das sinapses agora é de 255. Esse aumento do peso das sinapses implica em aumento de custo energético e também em saturação de espaço, sendo necessária uma regulação.
Essa regulação ocorre durante o sono de ondas lentas. Segundo a hipótese essa etapa do sono seria responsável pelo balanceamento das conexões geradas e alteradas durante o dia de modo que ao final da noite, etapa 3, o peso total das sinapses volte a ser o mesmo observado no início do dia (200).
Isso também estaria relacionado ao fato de que há uma correlação entre o aumento da duração de sono de ondas lentas em função da vigília anterior e o seu decréscimo ao longo da noite.
E qual a importância dessa regulação?
A primeira delas é o controle do espaço e consumo energético. O espaço do cérebro é limitado, assim como a energia disponível.
Outra importância é relacionada ao desempenho. Essa regulação permite um filtro das informações relevantes, desse modo, o que realmente importa é o que será mantido.

Mas é só isso? A hipótese é tão simplista assim?
Não é apenas isso, conforme dito acima esse post teve o propósito de apresentar a hipótese de uma forma simplista.
O mesmo grupo de pesquisadores já apresentou evidências que comprovam sua hipótese. A mais recente delas foi publicada na revista Science na edição de junho e será discutida em outro post.

A série de posts Dormir, sonhar e lembrar está quase chegando ao fim. Ainda faltam alguns capítulos, aguardem (aguarde leitor fantasma).

*As referências desse post estão em forma de link ao decorrer do texto.

La pregunta?

terça-feira, 31 de maio de 2011

Dormir, sonhar e lembrar - Parte 3 O sono e a memória

Encerrei o último post prometendo falar sobre sobre o paper "Odor Cues During Slow-Wave Sleep Prompt Declarative Memory Consolidation". A ideia aqui é demonstrar que o sono participa da consolidação da memória. A tradução para o título do trabalho pode ser: Pistas olfativas durante o sono de ondas lentas promove consolidação de memória declarativa.

O que o grupo, liderado pelo pesquisador alemão Jan Born, fez foi algo bastante simples, porém muito astuto. Sabendo que cheiros possuem um alto potencial como pistas contextuais, inclusive para memórias visuo-espaciais (como por exempo um jogo da memória, aquele para crianças), eles treinaram sujeitos em um desses jogos de memória e adicionaram  e adicionaram um cheiro agradável a cada resposta correta. Mais importante que isso, durante os dois primeiros períodos de sono de ondas lentas os sujeitos foram novamente expostos ao mesmo cheiro. É importante notar que a opção por pistas olfativas foi determinante para o sucesso do experimento, pois em contraste com outros estímulos, é sabido que cheiros podem ser apresentados sem perturbar o sono (mais detalhes sobre isso aqui). O esquema abaixo demonstra o protocolo experimental. Clique para ampliar!


Sendo assim, a hipótese desse trabalho é: Um contexto olfativo apresentado durante o aprendizado da tarefa, é capaz de potencializar a consolidação se apresentado novamente durante o sono. Para ter certeza disso é necessário testar todas as possibilidades. Hora de observar a figura 2.

A figura 2 é um resumo do protocolo experimental utilizado para avaliar todas as hipóteses. O que quer dizer que os pesquisadores avaliaram o efeito da pista olfativa apresentada em diferentes momentos, clique na figura para observar com mais detalhes.
Mas e aí? Qual o grande resultado apresentado?
O que aconteceu foi que os sujeitos que receberam a pista olfativa durante o sono ondas lentas apresentaram melhor desempenho na manhã seguinte. Nenhum efeito do cheiro foi observado em nenhum dos outros 3 experimentos, de modo que quando o cheiro foi apresentado durante sono REM, ou quando o cheiro foi apresentado antes do sono, não há nenhuma alteração na consolidação da memória. A conclusão prévia é simples, alguma coisa acontece durante o sono de ondas lentas que possibilita um reforço na consolidação da memória quando apresentado uma pista olfativa.
Mas essa potencialização da consolidação acontece apenas para memórias declarativas? Para responder essa pergunta os pesquisadores realizaram o mesmo protocolo experimental, no entanto, ao invés de utilizar um teste de memória declarativa, eles realizaram uma tarefa motora (memória não-declárativa). O que aconteceu foi que os sujeitos que dormiram apresentaram melhor desempenho, e essa melhora foi independente da pista olfativa. Aprimorando a conclusão, o que parece é que o sono de ondas lentas é seletivo para consolidação de memórias declarativas.
Para tentar entender o que é que acontece, os pesquisadores forem um pouco mais além, eles utilizaram ressonância magnética funcional para avaliar se o odor era capaz de ativar as mesmas áreas relacionadas com memória declarativa (no caso o hipocampo). O que aconteceu foi que a exposição ao odor durante o sono de ondas lentas aumentou a ativação do hipocampo.

Esse trabalho é uma referência bastante importante para a Teoria do sistema de consolidação. Segundo essa teoria a memória é consolidada durante o sono devido a repetida reativação das áreas envolvidas com o que foi aprendido. Ainda segundo essa teoria, o sono de ondas lentas seria o momento no qual ocorrem essas reativações hipocampais e possibilitaria um diálogo sincronizado entre as áreas relacionadas à memória.

Nos próximos textos falarei sobre a teoria da homeostase sinpáptica, uma outra opção para explicar a participação do sono na consolidação da memória.

Referência:
- Odor Cues During Slow-Wave Sleep Prompt Declartive Memory Consolidation. Björn Rasch et al, Science 315, 1426 (2007); DOI: 10.1126/science.1138581

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Dormir, sonhar e lembrar - Parte 2 Lembrar, a memória

Dando continuidade (após um looooongo período de incubação) a série Dormir, Sonhar e Lembrar. Chegou o momento de falar um pouco sobre o Lembrar. O objetivo desse texto é definir o que é memória e começar a falar sobre o papel do sono sobre a memória. Não vou falar aqui sobre os mecanismos moleculares ou celulares da memória.
O que chamamos de memória, ou a habilidade para recordar coisas, pessoas, movimentos, lugares, número de telefone, data de nascimento, enfim essa capacidade de lembrar é um processo composto por três etapas diferentes: o aprendizado, a consolidação e a evocação.
O aprendizado pode ser definido por alguns neurocientistas como um processo neural através do qual uma experiência modifica um comportamento. Para o interesse desse texto é importante ter em mente que o aprendizado é uma experiência que pode ocasionar mudanças neuronais. A consolidação pode ser entendida como os processos neuronais (mudanças moleculares ou celulares nos neurônios) que ocorrem após o aprendizado. A evocação é o momento em que lembramos do que aprendemos, ou quando evocamos (sic) alguma memória, o que pode ser uma sequência de passos em uma dança, ou apenas o nome de uma pessoa.
É interessante notar que a evocação depende das mudanças neuronais ocorridas durante os processos de aprendizado e consolidação, algo como, quanto melhor o aprendizado, melhor a consolidação, e melhor a evocação.

Mas e aquela história de que temos vários tipos de memória? 
Sim, existe uma classificação para diferentes tipos de memória, a maioria dessas classificações tem o objetivo de facilitar o estudo. Então para facilitar o estudo da memória há sim sistemas de classificação, um sistema que é de acordo com a natureza da memória (o qual explicarei com mais detalhes) e outro que leva em consideração o tempo de duração da memória (que não receberá atenção por aqui - arbitrariedade minha).

Primeiro vou introduzir a figura de uma revisão do professor Robert Stickgold  - Sleep-Dependent Memory Consolidation.
Como é possível notar na figura acima, existem dois grandes "grupos" de memória. Memórias declarativas e Memórias não declarativas. A diferença básica entre as duas é que as declarativas são aquelas que podemos declarar que existem, como uma história ou o nome do seu carro. As memórias não-declarativas são aquelas normalmente utilizadas sem a consciência de que estão sendo utilizadas. Ficou confuso, eu sei, mas darei um exemplo que poderá ajudar. Quando caminhamos, não precisamos ter consciência de qual grupo muscular estamos movendo, o mesmo vale para quando andamos de bicicleta. Como vocês podem perceber, cada grande grupo pode ser sub-dividido em grupos menores, porém, para evitar a fadiga, falaremos destes outros grupos em outra oportunidade. O importante aqui é saber que memórias declarativas e memórias não-declarativas possuem diferentes sistemas de consolidação. O que quer dizer que utilizam diferentes estruturas neurais para serem arquivadas. Por que isso é importante? Entenderemos até o final da série! (suspense para manter o leitor, estilo Dan Brow).

E o que o sono tem a ver com tudo isso?
Além da importância do sono para a manutenção do alerta, e da capacidade de concentração, o sono exerce um papel fundamental na consolidação da memória. 
Para entender um pouco melhor como isso acontece, é necessário entender como são feitos os estudos que avaliam a participação do sono nos processos mnemônicos. 
Mas como avaliar isso? Como saber se o sono tem ou não participação na consolidação da memória?
Uma forma de descobrir isso é comparando o desempenho de pessoas que aprendem uma tarefa e depois do aprendizado vão dormir, com pessoas que ficam acordadas durante esse período. Veja no esquema abaixo que o treino pode ser seguido por um momento de sono, um momento de vigília e ainda um momento de privação de sono. A diferença entre a vigília e a privação de sono é que para ser privado de sono o sujeito deverá ser mantido acordado durante o período no qual deveria estar dormindo, ou seja, durante a noite. O que acontece nesse caso é que os estudos deixam de avaliar o papel do sono e passam a avaliar o que acontece com a memória quando o sujeito é privado de sono.

 Utilizando protocolos experimentais bastante semelhante a esse que exemplificado acima existe um grande número de estudos apontando para a participação do sono na memória. Com esse protocolo o que a maioria dos estudos conseguem concluir é: os sujeitos que dormiram apresentam melhor desempenho para o teste tal. Essa informação por si só já é bastante interessante, porém, ainda não resolve a grande pergunta "qual o papel do sono na memória?". Sabemos que quem dorme apresenta melhor desempenho, mas será que apresenta melhor desempenho porque estava em melhores condições quando evocou a memória? Ou será que durante o sono acontece algo que ajuda a consolidação da memória?

Para tentar responder essas duas últimas perguntas um grupo de cientistas alemães modificou um pouco o protocolo "padrão" e adicionou uma pista de cheiro durante o treino e durante o sono. O próximo passo é falar do artigo original "Odor Cues During Slow-Wave sleep Prompt Declarative Memory Consolidation". 

Mas esse será o assunto do próximo post.

"Duas postagens em menos de 24h! Sim, sigo andando em frente."

domingo, 29 de maio de 2011

Adendo - Ondas de um EEG

Encerrei o último texto apresentando um pequeno resumo de como seria um EEG nos diferentes estados cerebrais, dormindo e acordado.
Para entender um pouco melhor do que estou falando faremos como Jack Estripador, vamos por partes.


Para interpretarmos um sinal de EEG, falaremos em diferenças de frequência e amplitude de onda, mas o que é isso? (Vamos lembrar um pouco do que estudamos no ensino fundamental e médio)
Frequência de onda é o número que um evento ocorre, ou o número de ciclos de um evento, em um determinado tempo. Observem a figura abaixo e notem que a linha vermelha (no caso o evento) sobe e desce cerca de 5 vezes. Se esse evento se repetir 5 vezes em um segundo podemos considerar que é uma onda de 5 Hertz.


Já a amplitude de uma onda representa a magnitude de variação de uma oscilação, em termos mais simples, representa a "altura" de uma onda. Observem em destaque na figura abaixo.


Devo destacar que estes não são os únicos componentes de uma onda, no entanto, como o propósito aqui é apenas ajudar as pessoas a entenderem um pouco melhor o que são as ondas observadas em um traçado de EEG. Um traçado típico de um humano adulto apresentará ondas com voltagens entre 10 µV e 100µV (µV = micro Volt).


E para que serve toda essa história sobre amplitude e frequência?
Essas duas variáveis nos ajudam a identificar e diferencias as principais ondas observadas em um traçado de EEG. Essas ondas são identificadas pelo alfabeto grego (alfa, beta, gama, teta e delta).


Ondas Delta: frequência de até 4Hz e alta amplitude. São características do sono de ondas lentas fases 3 e 4 e podem ser observadas em regiões frontais em adultos e posteriores em crianças.


Ondas Teta: também são ondas de baixa frequência (entre 4 - e 8Hz). São características dos estágios 1 e 2 de sono não REM.


Ondas Alfa: apresentam frequência entre 8 e 13Hz. Vale a pena notar que existem ondas alfa de alta e baixa amplitude.Podem ser observadas em regiões posteriores da cabeça. Para o estagiamento de EEG durante a polissonografia, é importante notar que trechos contendo mais de 50% de ondas alfa devem ser compreendidos como vigília.




Ondas Beta: apresentam frequência maior que 13 - 30Hz. Podem ser observadas em ambos os lados da cabeça, e são mais evidentes em regiões frontais. São associadas ao estado de vigília. 



Ondas Gama: ondas de alta frequência, 30-100+Hz. Relacionadas ao córtex somatossensorial. Estudos sugerem associação entre memória de trabalho e ondas gama.


Apresentei aqui apenas uma visão geral das principais ondas presentes em um traço de EEG em momentos de vigília e sono. Durante as diferentes fases de sono ocorrem outros eventos que caracterizam cada fase, mas já falei um pouco disso em outro post e voltarei a falar disso futuramente.


"Sigo caminhando, lentamente, mas sempre avançando".